Os praticantes de yoga ou de algum outro caminho espiritual voltados as tradições orientais, provavelmente, já ouviram o termo ¨encontre conforto no desconforto¨ ( Sukha e Duḥkha, respectivamente). A máxima por si só já nos remete a uma condição não muito confortável diante de sua compreensão perante aos processos de nossa vida. Dessa forma, praticante ou não, conhecedor ou não das tradições ancestrais orientais, por experiência própria, já vivenciou momentos onde o deconforto. A falta de contato emocional, negação, resistência e a não aceitação dos fatos só aumentam a nossa percepção de dor e sofrimento diante daquilo que em boa parte não temos como mudar.
O artigo de hoje é um convite para refletirmos sobre esses desafios inerentes e inevitáveis a nossa condição humana. Encontrar conforto no desconforto é uma habilidade valiosa que pode ser desenvolvida através de práticas e reflexões e o Yoga é um caminho de autoconhecimento onde através de suas ferramentas pode conduzir a nossa mente a ter mais clareza, objetividade e conhecimento para lidar com as circunstâncias da vida.
Sukha e Duḥkha
Sukha, pode ser traduzida como conforto e dentro da tradilção védica é frequentemente associado ao bem-estar e à felicidade resultantes de uma vida virtuosa e em harmonia com o dharma (lei cósmica e ordem moral).
No budismo refere-se ao prazer, felicidade ou bem-estar, em contraste direto com “duḥkha”. Nesta linha de caminho espiritual, busca-se um tipo de “sukha” duradouro, que não é baseado em prazeres sensoriais efêmeros, mas em um estado de paz e realização interior, muitas vezes associado ao Nirvana.
No yoga, “sukham” é um conceito importante, especialmente quando combinado com “sthira”, que significa “firmeza” ou “estabilidade”. Patanjali, no seu famoso texto “Yoga Sutras”, menciona a frase “Sthira Sukham Asanam” (Yoga Sutra 2.46), que significa que a postura deve ser estável (sthira) e confortável (sukha). Essa combinação indica que durante a prática de yoga, a postura correta é aquela que é ao mesmo tempo firme e confortável, equilibrando esforço e relaxamento.
“Sukham” não é apenas a ausência de sofrimento, mas um estado positivo de bem-estar que pode ser cultivado através de práticas espirituais que levam a autoinvestigação e, portanto, ao autoconhecimento e também a uma vida alinhada com valores profundos e significativos.
Em nossas vivências com certeza já passamos por experiências que a princípio foram confortáveis e logo depois uma impressão e sensações de desconforto invadiram o nosso ser, isso porque o aparente conforto e prazer geram apego e nessa busca incessamente nos agarramos as situações, pessoas, objetos e momentos que são limitados ao tempo e espaço, são temporários e impermanentes e o desejo em manter conforto diante de algo não foge a regra, sua natureza assim como qualquer outra sensação está sujeito e passível à mudanças.O desejo em si mesmo não é o problema, aliás é uma motivação que impusiona a ação e a realização. Estar atentos aos apegos e desejos sobre a ideia de manter o conforto diante dos obejtos é uma condição que traz crescimento e maturidade quando analisadas e bem compreendidas.
Duḥkha, pode ser traduzido como dor e é um termo sânscrito frequentemente traduzido como “sofrimento”, “insatisfação” ou “descontentamento”. É um conceito central no budismo e na tradição védica, e sua compreensão é fundamental para o entendimento dessas tradições filosóficas e espirituais.
No contexto budista, “duḥkha” é uma das Quatro Nobres Verdades, que formam a base dos ensinamentos de Buda, são eles:
1-A Verdade do Sofrimento (Duḥkha): A vida, em sua natureza cíclica de nascimento, envelhecimento, doença e morte, está permeada pelo sofrimento e pela insatisfação. Isso inclui tanto o sofrimento físico quanto o sofrimento mental e emocional.
2-A Verdade da Causa do Sofrimento (Samudaya): A causa do sofrimento é o desejo ou apego (tanha), que leva ao ciclo de renascimento (saṁsāra).
3-A Verdade do Fim do Sofrimento (Nirodha): É possível acabar com o sofrimento alcançando o estado de Nirvana, que é a cessação do desejo e, portanto, do ciclo de renascimento.
4-A Verdade do Caminho para o Fim do Sofrimento (Magga): O caminho para cessar o sofrimento é o Nobre Caminho Óctuplo, que inclui práticas éticas, mentais e de sabedoria.
Na tradição védica, “duḥkha” também é reconhecido como uma parte inevitável da experiência humana. No entanto, a ênfase é colocada na transcendência do sofrimento através da realização do verdadeiro Eu (Ātmā) e da união com o Absoluto (Brahman).
O conceito de “duḥkha” é uma ferramenta poderosa para a compreensão do sofrimento e para encontrar maneiras de transformá-lo. Ao aceitar e trabalhar com o sofrimento, é possível desenvolver uma resiliência e uma paz interior que permitem encontrar conforto, mesmo nas situações mais desafiadoras.
A transformação do desconforto em conforto, do sofrimento em felicidade, é um processo contínuo de autoconhecimento e prática consciente. O yoga ensina a observar e aceitar o sofrimento sem se identificar com ele, promovendo a paz interior e o contentamento (santoṣa). As práticas são meios para que nossa mente se liberte dos julgamentos, condicionamentos ou quaisquer condição que não nos leve ao discernimento real sobre os processos inerentes a nossa vida. ¨Todas as coisas condicionadas são impermanentes – quando alguém vê isso com sabedoria, afasta-se do sofrimento¨-Buda
Aqui estão algumas maneiras pelas quais o yoga pode ajudar nesse processo:
Prāṇāyāmas:
Técnica: Aprender a controlar a respiração é fundamental no yoga. Praticar técnicas como a respiração diafragmática, respiração alternada pelas narinas (Nadi Shodhana) e Kapalabhati pode ajudar a manter a calma em situações desconfortáveis.
Benefício: A respiração consciente pode acalmar o sistema nervoso, reduzir o estresse e ajudar a manter o foco, mesmo quando o corpo está desconfortável.
Āsanas:
Técnica: Algumas posturas de yoga são projetadas para desafiar o corpo e a mente. Permanecer em uma postura desconfortável, mas segura, como a postura do guerreiro (Vīrabhadrāsana) ou a postura da cadeira (Utkaṭ̄āsana), ensina a encontrar estabilidade e calma no meio do desconforto.
Benefício: Essas posturas fortalecem o corpo e a mente, promovendo a resistência e a resiliência.
Meditação:
Técnica: A meditação é uma parte essencial do yoga que envolve a observação dos pensamentos e sensações sem julgamento. Técnicas como a meditação mindfulness ou a meditação da compaixão podem ser especialmente úteis.
Benefício: Meditar regularmente pode aumentar a capacidade de permanecer presente e calmo em situações desconfortáveis.
Relaxamento (Śavāsana)
Técnica: A prática do relaxamento profundo no final de uma sessão de yoga, conhecida como Śavāsana (postura do cadáver), ajuda a integrar os benefícios da prática e a cultivar uma sensação de paz e aceitação.
Benefício: Śavāsana ajuda a liberar a tensão acumulada e promove um estado de relaxamento profundo, ensinando a mente a relaxar mesmo após o desconforto físico.
Escuta do Corpo:
Técnica: O yoga ensina a ouvir e respeitar os sinais do corpo. Entender a diferença entre desconforto saudável e dor pode ajudar a evitar lesões e a promover o crescimento pessoal.
Benefício: Isso desenvolve uma maior consciência corporal e mental, permitindo ajustar a prática para melhor atender às suas necessidades.
Em todas as atividades, busque um equilíbrio entre esforço e relaxamento. Isso se aplica tanto à prática física do yoga quanto às atividades diárias.
Mudar a forma como você vê o desconforto pode transformar a experiência. Encarar o desconforto como uma oportunidade de crescimento em vez de uma ameaça pode mudar sua resposta emocional.
Permita-se vulnerabilizar diante das circunstâncias, observe, aceite e expanda a sua percepção sobre o que de fato é prioridade e necessários em sua vida e rotina. Começar uma atividade física, ou uma prática potente e transformadora como o Yoga pode causar desconforto no início, várias camadas são abertas e não estou me referindo apenas a abertura, flexibilidade e alongamento de grupos musculares. O autoconhecimento nos leva a direcionar o nosso sistema corpo-mente-espírito a camadas mais sutis e ainda que pareça ser desconfortável, verticalizar a nossa compreensão acerca dos desconfortos emocionais pode ser libertador, encontre o seu conforto e serenidade, reconhecer a nossa humanidade é o caminho.
Se você deseja praticar e conhecer essa tradição milenar através das posturas físicas (āsanas), prāṇāyāmas, meditação dentre outras, te convidamos para fazer parte da nossa Escola de Yoga Ser Alquimia, e o melhor, no conforto da sua casa, com horários diferenciados para que você possa conciliar a sua rotina com esse momento precioso de autocuidado, autoconhecimento e autotransformação.
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